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«Acho que ainda sou um puto»

JOÃO BANDEIRA. Aos 28 anos, tem um percurso feito, sobretudo, no teatro. No entanto, já pode orgulhar-se de ter o nome numa produção de Hollywood. Ainda que apenas como figurante, ficou fascinado com a máquina que envolve um projeto como The Promise. Com várias experiências que o levaram a palcos menos convencionais, quer agora voltar às tábuas e apostar mais em televisão e no cinema.

Há dois anos e meio que tens uma peça no Mosteiro da Batalha. Como é que tem sido essa experiência?

Agora estamos nos meses de pausa e ainda não está definido se vamos continuar com o projeto no próximo ano. Mas até agora já fomos vistos por mais de 10 mil crianças que vão, de norte a sul do país, visitar o Mosteiro e ver aquele espetáculo. É um trabalho com uma forte componente pedagógica, que me agrada muito. É extremamente engraçado trabalhar para aquele público. Tem uma grande responsabilidade.

Tiveste dois projetos que começaram em Lisboa e também te levaram até Leiria.

Sim, foram dois projetos com a Kind Of Black Box, do Tobias Monteiro. Foram projetos que foram feitos no Castelo de Leiria, no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha e ainda no Mosteiro da Batalha.

Isso significa que já há algum tempo que não fazes teatro num palco dito convencional.

Sim, isso mesmo. Já há algum tempo que não piso as tábuas, tenho feito sempre projetos em palcos não convencionais e esta bagagem toda ajudou-me na altura de abraçar o projeto Alice - O Outro Lado da História, uma espécie de teatro a 360º, em que tínhamos de estar atentos a tudo o que nos rodeava. Por isso, esses espetáculos que tenho vindo a fazer foram um boa escola para o 'Alice'.

Como é que surgiu o convite para fazeres esse trabalho?

Foi inesperado. Um dia, às duas da manhã, telefonaram-me a perguntar se eu estaria interessado. Depois de uma reunião, percebi que era um grande projeto. É uma história que toda a gente conhece, mas que ninguém a imagina pelo prisma pelo qual nós a contámos. E lá está, quando, ainda nos ensaios, passámos para o Hospital Júlio de Matos, toda a experiência de relação com o espaço foi menos difícil porque eu já tinha tido outras experiências que me tinham tirado do palco dito convencional.

E sentiste logo que o teu percurso te ia ajudar a superar aquela tarefa?

Sim. Eu formei-me em Évora e, na altura, um professor meu que estava envolvido num festival de teatro, que é o Escrita na Paisagem, convidou alguns alunos - eu incluído - para integrar uma coprodução de uma companhia finlandesa. Acabámos por fazê-lo numa pedreira, em Vila Viçosa, ao ar livre. Fizemos a Divida Comédia adaptada aos tempos modernos. Esse projeto depois levou-me até à Macedónia, onde ganhámos o prémio principal. Depois desse trabalho, venho para Lisboa e faço algumas participações curtas. E mais tarde, fiz então o espetáculo no Mosteiro da Batalha. Foi uma experiência muito engraçada, porque foi a primeira vez que fiz um projeto com aquela dimensão e num local como aqueles em que somos engolidos pelo espaço cénico. Depois, fiz o espetáculo Dinis e Isabel, em Leiria, baseado na lenda das rosas, que toda a gente conhece, mas que ninguém sabe, ou especula, sobre o que aconteceu àquele Rei e àquela Rainha depois do milagre, depois de ela ter virado santa, depois de não terem relações há mais de dois anos...

Esse espetáculo esteve quanto tempo em cena?

Cerca de um mês e meio, mais coisa, menos coisa. E tinha a particularidade de que o espectador via cinema e teatro. É que a opção cénica que ali foi tomada foi para que, até ao milagre, a história fosse contada numa curta metragem. Depois, o desenrolar da trama acontecia em teatro. Ou seja, tinha a particularidade de o público ver cinema e, de repente, os mesmos atores, estavam ali à frente.

No teu percurso tens-te dedicado, sobretudo, ao teatro, e tens conseguido fazê-lo, muitas vezes, na tua terra natal.

Simultaneamente vou tento projetos em Lisboa e em Leiria.

Para ti é importante levar arte até àquela zona do país?

Continuo a achar que a descentralização teatral continua a ser uma grande questão. Cada vez mais existe esse esforço. Da minha perspetiva, enquanto leiriense, acho importante poder sair e levar algo de novo à minha cidade. No entanto, continuo a achar que a minha vida passará sempre por Lisboa. É aqui que as coisas acontecem e eu tenho uma ambição um bocadinho maior.

Que ambições é que tens?

Estar mais presente na televisão e no cinema.

Até agora tiveste poucas experiências nessas áreas, é isso?

Sim, tive poucas. Foram experiências rápidas e pequeninas, mas que me deram mais vontade de continuar a arriscar e investir nisto para o qual estudei e para o qual me propus trabalhar para o resto da vida. Fiz uma participação recente na série Ministério do Tempo, na RTP, por exemplo. Em cinema, cheguei a fazer uma participação de figuração num filme do Christian Bale que foi uma grande experiência. Estive dentro de um set de Hollywood!

Como é que isso aconteceu?

Fui a um casting, na Escola de Turismo de Lisboa. Já estava há uma hora na fila, prestes a desistir, quando aparece uma diretora de casting, que me chama a mim e a outros candidatos. Entrámos todos e eu fui um dos que ficou. A experiência foi brutal. Houve um momento em que tive muito perto do Christian Bale. Em alguns momentos, eu esquecia-me que estava a trabalhar. Ver os meios, a dimensão, a quantidade de pessoas que envolve, a logística... Foi, sem dúvida, uma experiência que me marcou.

Isso foi quando?

Foi no final de 2014 que rodámos. O filme está a ser lançado este ano. Chama-se The Promise.

Voltando ainda à tua experiência em teatro, e uma vez que tens tido muitos projetos fora dos palcos ditos convencionais, pergunto-te se tens saudades de voltar à origem?

Tenho muitas saudades das tábuas, claro que sim, mas as experiências que tive continuam a agradar-me muito. Esta ideia de fazer teatro em ambientes menos comuns, começou logo na faculdade com o teatro de rua, que me agrada bastante. Não é elitista, é para toda a gente, é para quem passa, não olha a idades, géneros ou classes sociais. É muito interessante. É para quem quiser parar, para quem quiser ver. Depois há outra questão. Eu tive formação de clown e é uma área que me agrada muito. O meu primeiro contacto com essa arte foi num workshop que fui fazer a Barcelona e que me deixou apaixonado por essa área.

Agora falaste do teatro de rua e antes falámos dos palcos menos convencionais onde o teatro vai acontecendo... Achas que esse é o caminho? Levar o teatro a outros palcos e, assim, levá-lo a outros públicos?

Não sei se é o caminho, porque eu acho que há vários caminhos. Quando se fala da História do Teatro, não há uma. Há várias. Dependo dos conceitos orientais ou ocidentais, a perspetiva muda. Aqui em Portugal, acho que houve um período de estagnação, mas acho que, hoje em dia, as coisas vão acontecendo. Há muitas escolas, muitos espaços novos. Cada vez mais, a urgência do teatro foi, é, e será sempre chegar ao maior número de espectadores. Estes novos palcos também levam o público a ter outro tipo de experiências. O Alice era uma algo sensorial. Por isso, se calhar, as novas formas de teatro que se vão desenvolvendo, vão ao encontro disso... [pensativo]

Depois de termos percebido por onde se construiu o teu percurso até agora, diz-me o que esperas do futuro? Que projetos estão a ser preparados?

Poderão vir a acontecer coisas a partir de setembro, mas ainda estão numa fase embrionária. Nestes meses de verão, pára tudo um bocadinho.

Tempo agora para a última pergunta, que é comum nesta série de entrevistas. Diz-me, João Bandeira, quem és tu?

[risos] Quem sou eu? Acho que ainda sou um puto... de 28 anos, que ainda continua a acreditar muito nesta brincadeira, séria, que é o teatro. Continuo a acreditar que temos uma função importantíssima social e cultural. Somos um dos principais agentes culturais. Somos nós que continuamos a perpetuar a língua, os meios, as formas, as artes, e aquilo que dá a identidade a um país. Nesse sentido, por mais dura que esta batalha seja, vou continuar a roer até conseguir mais alguma coisa. Faço isto porque gosto de partilhar coisas com pessoas, de viver experiências com pessoas, de dar e de receber. Esse é um dos maiores propósitos para fazer teatro.

Xavier Pereira escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

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