«Sei que o meu futuro vai passar pelo Teatro»
PAULO MIGUEL FERREIRA. De manhã, tinha estado no palco com A Pequena Sereia e à noite era lá que regressava para Amália - o musical. É no Teatro Politeama e sob a batuta de Filipe La Feria que tem trilhado o seu caminho. Mas não só. Paulo Miguel Ferreira que chegou à entrevista de sorriso nos lábios, confessa que se imagina a ser ator a vida inteira, mas que quer explorar mais a escrita. Não fosse ele o autor de Alice - o outro lado da história que inicia agora uma segunda temporada.
Como tem sido voltar ao Teatro Politeama para integrar o elenco do musical que lembra Amália Rodrigues?
Tem sido muito engraçado, para já porque o Amália foi o primeiro espetáculo que eu me lembro de ver, em miúdo. Tenho a certeza que foi o primeiro espetáculo que vi no Politeama. Fui com os meus pais e os meus avós e lembro-me que na altura pensei "epá, eu um dia gostava de estar ali", porque na altura já tinha aquele interesse pelo teatro. Na altura fui ver para aí umas três vezes. Agora desta vez, quando surgiu o convite, eu estava noutro projeto e tive de ponderar muito e escolhi a Amália... É giro ver que a vida dá muitas voltas. E tenho gostado muito da experiência.
Apesar das diferenças que possam existir, como é que é integrar um espetáculo que já tinhas visto e que te ficou na memória?
Acho que facilitou um bocadinho as coisas. Era um espetáculo que eu já conhecia bem, eu tinha o DVD e vi-o muitas vezes, por isso, o espetáculo não me era de todo estranho, sobretudo o meu papel, porque eu faço de irmão da Amália, o Vicente. E foi fácil. Claro que há diferenças, porque esta versão está um bocadinho mais atualizada, uma vez que hoje em dia há muito mais informação disponível, mesmo para o Filipe [La Feria]. O processo foi um bocadinho doloroso porque são muitas horas de ensaios, é muito exigente, mas foi giro porque é como se estivesse a reviver o que já tinha visto em cima do palco, mas desta vez, fazendo mesmo parte. E isso é giro também porque estão ali colegas que fizeram parte do primeiro espetáculo há 17 anos, quando estreou a primeira versão...
Há pouco fizeste referência a outro projeto em que estavas envolvido mesmo antes de começar o Amália, que era o Alice - O Outro Lado da História. Nesse trabalho não só foste o autor como integraste o elenco inicial. Como é que foi a experiência?
Foi um bocadinho inesperado, porque foi algo que já estava falado há dois ou três anos. Entre pesquisa, interrupções e outros trabalhos, demorei dois anos a escrever o texto. Depois, foi e continua a ser um projeto muito especial. Primeiro porque foi o meu primeiro grande texto ou o meu primeiro grande projeto. Acho que todos os envolvidos tinham esperança que corresse muito bem, só não pensaram que iria correr tão bem... Começámos por fazer uma campanha de crowdfunding sem saber se as pessoas iam aderir e correu muito bem, conseguimos ultrapassar o objetivo. Depois, conseguimos transformar um pavilhão abandonado num cenário quase cinematográfico e depois foi reunir quem nós achávamos que eram as pessoas certas e trabalhar quase três meses para obter o resultado que hoje é visível. E fico muito feliz porque estamos já na segunda temporada e, se Deus quiser, havemos de ir à terceira ou à quarta [temporadas]... É bom. Tive muita pena de sair do projeto, porque era uma experiência que estava a gostar muito, num contexto um bocadinho diferente, porque desde que acabei a Escola de Teatro [de Cascais] tenho-me dedicado sobretudo a fazer musicais, e este trabalho foi um desafio para mim enquanto ator, porque percebi que, afinal, consigo ir mais além do que tenho feito até agora. Então, foi um desafio muito bom.
Ainda falando da experiência do Alice, foste o autor, mas não foi o teu primeiro texto. Imaginas-te a seguir o caminho da escrita?
Gostava de explorar esse lado, mas não de me dedicar só a isso porque adoro o meu trabalho de ator, mas é algo que gostava de explorar mais e até pensei em me dedicar um bocadinho à formação... Mas sim, antes já tinha escrito o Boa Noite Solidão e o Pretérito Imperfeito, ambas levadas à cena na Biblioteca Orlando Ribeiro.
Também fizeste referência a teres feito, sobretudo, musicais. Como é que é, além de teres uma personagem para dar vida, teres de cantar e dançar?...
Eu tenho feito teatro infantil, sobretudo com o La Feria e outras produtoras, e depois para adultos tenho feito mais teatro de revista. E é muito diferente fazer teatro para crianças e teatro para adultos, porque os miúdos são aquele público mesmo genuíno, ou gosta ou não gosta e, se for preciso, reagem no momento, e percebemos perfeitamente se gostam ou não. Depois, não gostam de ser enganados. Não vale a pena estar ali com vozinhas e palhaçadas, que eles não gostam, de todo. Já o trabalho para adultos, tenho feito mais Revista e é um tipo de teatro que eu sempre quis muito fazer e não estava à espera do convite, mas deu-me muita estaleca. Deu-me muito a sensação de desenrasque em cena, porque depois também fiz sempre projetos com grandes nomes do teatro de revista: o José Raposo, a Maria João Abreu, a Marina Mota, o Joaquim Monchique... Foi um privilégio poder aprender com eles. Eu adoro observar pessoas e observo muito os meus colegas e acabamos por captar tudo. Os timmings, a maneira de dizer, e foi sempre muito bom. Mais recentemente, a experiência que tenho tido foi no musical A Pequena Sereia que está em cena, ainda, e no Amália que é um musical sobre uma figura incontornável da história. Falamos de pessoas que existiram mesmo, incluindo a minha personagem. Na estreia, estavam lá familiares do Vicente que depois deu pormenores sobre como é que ele era.
Nestas experiências tens trabalho muitas vezes com o Filipe La Feria. Como é que tem sido?
Tem sido bom. É uma escola, como todos dizem. Artisticamente ganhamos porque há muita exigência e transmitem-se muito os valores de palco e aprende-se a respeitar muito a profissão. O Filipe é um empresário, é um produtor, é um encenador sem qualquer apoio. Ele vive mesmo da bilheteira, do púbico e, então, ele exige aos atores aquilo que exige a ele próprio.
Sente-se essa pressão do sucesso, sem margem para o erro?
Não sei se é sentir a pressão do sucesso. Nós sabemos que, independentemente do tempo que temos até à estreia, ele vai ter de estrear, mesmo que tenhamos que ensaiar 16 horas, como já aconteceu. Nós sabemos, à partida, que o sucesso é quase garantido, porque associado ao nome do Filipe há já um tipo de espetáculo, e há um público muito grande e muito fiel... Não sinto essa pressão, sinto mais o privilégio, porque à partida, o projeto em que me estou a envolver há de correr bem.
Sentes que basta fazeres a tua parte, e pronto...
Sim, sei que tenho de fazer a minha parte. Tenho de dar o melhor de mim, tenho de tentar corresponder à expectativa que o Filipe tem sobre mim e fazer o meu trabalho.
Também já passaste, com pequenas experiências, pelo mundo da televisão. Era um mundo que gostavas de explorar?
Gostava, gostava muito e sinto que, cada vez mais, se está a fazer tarde e tenho um bocadinho de medo disso. A última experiência que tive foi na novela A Impostora, uma participação especial num episódio, e gostei muito. Primeiro porque não sabia bem como é que o ia fazer. Desde que saí do curso, tenho estado sempre no teatro e é tudo diferente, mas depois percebi que não é assim tão difícil e, obviamente, que gostava de ter mais experiências, mais oportunidades... Mas sei que o meu futuro vai passar pelo teatro e, pelas experiências que tive, a minha vida, vejo-a no palco, mais do que na televisão.
E estás confortável como essa previsão?
Estou confortável, mas estou com medo.
Porquê?
Porque, para já, neste momento, tenho uma segurança que é ter a sorte de trabalhar com o Filipe La Feria que faz temporadas de muitos meses e nós sabemos que, durante aqueles meses, temos trabalho. E, apesar de alguns meses que possa não existir nenhum projeto em cena, sabemos que são pequenas paragens. Eu trabalho com ele desde há cinco anos... Mas tenho medo que um dia a coisa acabe. Mas pronto. Vou vivendo um dia de cada vez, vou pensando noutras hipóteses, como a escrita, já pensei se terei de me dedicar a outra coisa que não tenha nada a ver com teatro, mas depois percebo que poderia ser uma perda de tempo... Não sei, acho que vou vivendo as coisas mês a mês, ano a ano, projeto a projeto...
Num futuro próximo o que é que te imaginas a fazer?
Para já, o plano é ficar 10 ou 12 meses em cena como o Amália e é levar até ao fim o espetáculo da Pequena Sereia. Depois, já estou a pensar noutros projetos de escrita - projetos que me foram falados e convites que foram feitos dentro do teatro imersivo, que é a experiência da Alice. Como foi algo que correu bem, gostava de explorar mais este lado, com outros temas, como outras áreas... Tenho feito pesquisa nesse sentido.
Posto isto, vamos terminar a entrevista como todas as outras desta série que tem sido feita: quem é o Paulo Miguel Ferreira?
Olha, o Paulo Miguel Ferreira é uma pessoa muito lutadora, muito sonhadora e, sobretudo, acho que sou uma pessoa feliz. Faço o que gosto e o que faço nem sequer o considero trabalho, tenho mesmo a felicidade e o prazer de fazer o que gosto. E sou uma pessoa que adora observar, que adora conhecer... Adoro sorrir e estar com os meus amigos. (risos) Acho que sou uma pessoa feliz e focada naquilo que quero e sei que se não conseguir agora, consigo amanhã ou num futuro próximo.
Agradecimentos: Village Underground Lisboa
Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico