«Vim para Lisboa para ser das melhores»
ANA CAMPANIÇO. Veio da Amareleja, em Moura, e tem 23 anos. Assume que é uma "miúda" e olha para o futuro com o entusiasmo que a tenra idade lhe permite. Com um percurso feito na comédia, destaca-se como contadora de estórias e de anedotas mas é mais. Recentemente estreou-se no drama com o monólogo "Carolina" (Teatro Turim) e confessa que essa é uma área que gostava de explorar.
Estás a preparar uma peça de teatro para estrear em breve. Que peça é essa?
Chama-se Os nossos vizinhos dormem cá em casa. Foi escrita pelo Carlos Alves e do elenco fazem parte o próprio Carlos Alves, a Susana Rodrigues, o Rafael Dias e eu. A peça vai estrear dia 20 de abril no Teatro Turim.
E que é estória é que essa peça conta?
É uma peça sobre um casal que tem dinheiro e que vive de aparências e que, de repente, vê a sua casa invadida por dois vizinhos que se apoderam da casa e vão para lá dormir. São os vizinhos do andar de cima que vão lá parar com uma intenção, mas no final não corre muito bem.
E que personagem e que fazes nessa peça?
Eu faço a vizinha que invade a casa. Aquilo vai ser muito engraçado, porque em termos de cenário, quase parece um cenário de época. Mas não é. A peça é um bocadinho absurda. Nós jogámos um bocadinho com isso e acho que resulta bem.
Neste momento é a essa peça que te dedicas.
Sim, neste momento é esta a minha prioridade.
É quase óbvio, mas é melhor confirmar: essa peça é uma comédia.
Sim, é uma alta-comédia.
Esse acaba por ser o teu registo mais frequente ao longo dos anos.
Sim. Em novembro fiz um drama. Foi um monólogo chamado "Carolina". Eu fazia de Maria cuja melhor amiga, a Carolina, tinha morrido. É uma peça sobre o medo, a morte... Foi o único drama que fiz, porque, de facto o que eu tenho feito mais é comedia.
Depois dessa experiência em novembro, gostavas de explorar mais o registo do drama?
Sim, porque estou a sair da minha zona de conforto. Para mim, a comédia é conforto. O drama não. A minha preparação para fazer aquele monólogo foi completamente diferente. Eu digo que tive abrir o texto ao meio, quase parti-lo ao meio, para o poder perceber e para compreender todas as emoções que ele continha. E isso deu-me um gozo tremendo, ao mesmo tempo que me deu muito medo, também.
Medo de quê?
Medo das coisas não correrem bem. É um monólogo, estava completamente sozinha em palco. Senti muito prazer em explorar aquela personagem.
Essa foi a tua experiência em drama porque, na verdade, o teu percurso tem sido feito sempre num registo cómico. Além de comédias em teatro também és contadora de anedotas.
Eu comecei com as anedotas. Quando vim para Lisboa é que fiz formação de atores e comecei a fazer teatro. São dois registos completamente diferentes, apesar de serem os dois para rir. Em teatro temos uma personagem que nos protege em palco, mas como contadores de estórias e de anedotas, somos nós que estamos ali. A maior parte das pessoas pensa que é uma personagem, mas não é, somos nós. Estamos mais despidos, temos de lidar com o facto de algumas pessoas não se rirem, olhos nos olhos. Numa peça de teatro, mesmo que não corra tão bem, acaba e vamos para o camarim. Como contadora de estórias, muitas vezes, atuamos em bares ou festas em que no final temos de passar pelo meio da assistência e termos de lidar com esse embate com a realidade... é mais agressivo.
E como é que é esse trabalho?
Primeiro tenho uma vantagem que é ser alentejana e, por isso, já tenho uma grande bagagem de estórias e de anedotas. Depois há toda a preparação das estórias e das anedotas, porque algumas são boas para contar entre amigos, mas não são boas para contar em palco, porque não têm piada, não têm ritmo e, às vezes, tento juntar o máximo possível com o mesmo tema. Há dois ou três anos, juntei muitas anedotas sobre casais e então transformei aquilo quase como se fosse um namorado meu ou uma relação que eu tivesse tido e isso resulta muito bem. É um trabalho de composição. Crio um texto e às vezes as pessoas nem se apercebem que aquilo são muitas anedotas juntas.
Esse é um trabalho que é muito poucas vezes feito por mulheres.
Sim. Há poucas mulheres a fazer stand-up em Portugal, mas a contar anedotas, eu acho que sou a única, até agora. Profissionalmente, tens o Serafim e o Fernando Rocha, mas mulheres, nunca viste.
Porque é que achas que isso acontece? As mulheres não têm piada?
Nada disso. Eu acho que as mulheres são logo postas à prova. Entramos num bar ou num auditório e o pensamento é "deixa lá ver o que é que vai sair daqui". Quando é um homem, não. Sentamo-nos e estamos completamente confiantes no que vamos ouvir. É um bocado esquisito. Mas eu acho que a tendência é para isso mude.
Esse trabalho de contadora de estórias e de anedotas é um trabalho que continuas a fazer, enquanto vais estando em cena com peças?
Sim. Há algum tempo que não fazia, mas em dezembro voltei a fazer um espetáculo em Trás-os-Montes. Tenho-me dedicado mais ao teatro e também estou a dar aulas de expressão dramática, pelo que me tenho dedicado mais ao teatro. Mas de vez em quando surge um convite e lá vou eu.
Disseste que foste a Trás-os-Montes. A verdade é que já atuaste em muitas cidades pelo país todo. Como é que tem sido essa experiência?
É ótima. Por exemplo, no Alentejo tenho um ritmo diferente de espetáculo. Se for para o Norte, tenho de ter um ritmo mais lento. Eu quando conto anedotas carrego no sotaque alentejano e por isso tenho de ter atenção aos ritmos. Mas é uma experiência ótima. Vou conhecendo sítios e pessoas, vou apendendo, vou ganhado calo, vou fazendo testes, vou vendo o que funciona ou o que não funciona... É muito bom.
E gostas disso?
Sim, é um desafio interessante. É engraçado e mete-te mesmo à prova. Quando tudo corre bem, não estás a ser posto à prova. Quando corre mal, tens de arranjar ali uma solução em meio segundo para salvares o espetáculo e para que aquelas pessoas se riam. Até agora aconteceu poucas vezes, mas as vezes que aconteceram, para mim, foram horríveis.
É traumatizante?
É um bocadinho! (risos) A última vez que atuei, atuei num sítio que era um Multiusos que tinha quatro colunas e fazia muito eco. Então houve pessoas que saíram de lá sem ter ouvido como deve ser o que eu tinha dito porque aquilo fazia muito eco. Tive de falar muito lentamente para que o eco não prejudicasse e depois quebrou-me muito o ritmo e depois chegou a um certo ponto em que acabei o espetáculo e fui-me embora. Quando corre mal, insisto uma vez, nunca insisto mais. Paro o espetáculo, agradeço e vou-me embora.
E isso costuma acontecer?
Não! No máximo aconteceu umas três vezes.
Há pouco disseste que estás a dar aulas. Como é que está a ser essa experiência?
Sim, estou a dar aulas em três escolas, a miúdos dos três aos seis anos e também a adultos. Está a ser engraçado porque os miúdos, por exemplo, nunca tiveram teatro, muitos nunca foram ao teatro, então sentes que és a primeira pessoa a mostrar-lhes o que é a expressão dramática e o que é o teatro. Isto a miúdos dos três aos seis anos, que são miúdos que têm a energia a 100% em todo o corpo, a toda a hora. É um trabalho engraçado que faz com tenha de estar sempre a procurar coisas. Nunca estás parado, estás sempre a procurar novos exercícios para uma faixa etária que é complicada porque há muito mais exercícios a partir dos seis anos. Tenho ido buscar jogos tradicionais que me permitam explorar depois a parte da expressão dramática mas também a parte do respeito e de outros valores.
Como é que fazes isso?
Por exemplo, com o jogo da cadeira. Às vezes parava a música e eles sentavam-se e havia dois que se sentavam na mesma cadeira. E depois o meu trabalho é evitar o conflito e fazer com que, voluntariamente, um deles acabe por ceder o lugar ao outro. Aí estou a trabalhar o respeito, a proximidade ao próximo.
E como é que a partir desse exercício trabalhas a expressão dramática?
Aí trabalham-se mais aspetos da responsabilidade que é essencial para depois se trabalhar a expressão dramática. Ou seja, há um trabalho que tem de ser feito antes de se chegar ao teatro, que é o trabalho das regras.
Imaginas-te a continuar a fazer esse trabalho?
Sim, imagino. Primeiro porque não me incomoda nada. Segundo, porque me dá estaleca, dá-me a responsabilidade de estar sempre a procurar coisas. Já nas aulas que dou à noite, aprendo muito porque são adultos. A aluna mais velha tem 69 anos e é muito gira a troca de experiências. São pessoas que não fazem teatro, não querem seguir teatro, mas que vêm no teatro o que os atores profissionais não vêm.
Como assim?
Companheirismo, por exemplo. Mas não só... Aquilo é o hobbie, é o escape de muitos, mas há muitos que fazem aquilo com uma dedicação quase profissional. Não falham ensaios, não chegam atrasados, não querem brilhar sozinhos... Isso ensina-me muito porque há quem esteja na profissão e se esqueça de alguns desses aspetos, porque é uma profissão em que o bom senso desaparece, às vezes.
Já falámos aqui do que tens feito e do teu percurso. Olhando para o futuro, o que é que gostavas que ele te trouxesse?
Gostava muito de experimentar cinema e televisão como atriz. Já passei por alguns programas de televisão, mas sempre como contadora de estórias. Agora gostava de participar enquanto atriz, gostava de perceber os ritmos de uma novela e de como tudo funciona. Num dia podemos gravar a cena 50 e ao mesmo tempo a cena 4. É um trabalho diferente do teatro, que é o que tenho feito. Numa novela andamos para trás e para a frente e isso obriga-nos a uma ginástica maior.
Era isso que gostavas de experimentar agora?
Sim, também para perceber se era capaz de fazer esse trabalho. Mesmo o trabalho de construir a personagem, perceber como é que se dá continuidade de uma personagem, mesmo gravando cenas de tempos diferentes. Deve ser giro.
Depois de falarmos do que já fizeste, do que estás a fazer e do que queres vir a fazer, a última pergunta é: quem é a Ana Campaniço?
Ah, ok... (pensativa) Quem é a Ana Campaniço? A Ana Campaniço é uma miúda. Sou uma miúda, não é? Um miúda que veio do Alentejo para Lisboa. Não sei se veio à procura de um sonho, mas a verdade é que, até agora, já conseguiu uma parte disso. A Ana Campaniço é uma miúda que se gosta de divertir no seu trabalho, mas que nuca deixa de ser profissional. Acho que ninguém me pode acusar de não ser profissional. Eu acho que Ana Campaniço é uma miúda muito divertida que só quer fazer o trabalho dela mais nada e é isso que lhe dá felicidade e vontade de viver.
Disseste que podes ter vindo para Lisboa à procura de um sonho e que já atingiste parte dele. O que é que ainda te falta?
Isto pode parecer mal, mas eu vim para Lisboa para ser das melhores. Posso nunca lá chegar, porque ninguém é perfeito, mas é um objetivo que me obriga a trabalhar todos os dias. (cala-se de repente) Foi bonito isto, não foi?
Foi.
Agradecimentos: Village Underground Lisboa
Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico