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«Gosto muito de viver»

CATARINA LEIRIA. Tem a doçura na voz e um sorriso sempre pronto. Atenta ao que se vai passando, tem-se dedicado a projetos experimentais, sobretudo curtas-metragens. Com várias passagens por telenovelas, integra agora o elenco adicional de Ouro Verde, na TVI, e confessa que quer dedicar-se mais ao cinema. Esta é uma conversa feita da melhor energia e tida com quem está "feliz da vida por estar viva".



Neste momento és a Berta na novela Ouro Verde da TVI. Que personagem é esta?

É a criada da família principal da novela. Construí esta personagem porque acho que o dever do ator é criar aquela personagem, fazer uma biografia: onde é que nasceu, de onde vem, como é que está naquela casa, qual é o relacionamento com os patrões, qual é o relacionamento com as crianças, o que pretende na vida... Tudo isso. Quanto mais nuances eu lhe der, mais vida ela tem. Mesmo sendo uma personagem pequena e não interferindo na história. É dessa forma que eu penso na Berta. Eu construí-a sem pensar apenas no facto de ela ser uma empregada. Às vezes as pessoas pensam que a personagem da empregada é como uma sombra. Eu não acho. Já tinha feito uma criada anteriormente em que contracenava com a Simone de Oliveira. Nesse caso fui mais contida, não podia sobressair. Mas com a Berta decidi que queria que ela tivesse segurança e passasse determinação. Queria que ela tivesse vida. E ainda ontem estive a ver cenas minhas e vi que havia ali qualquer coisa. E esse é o desafio de qualquer personagem.


Há quanto tempo é que estás a fazer esta personagem?

Ora, as gravações começaram no início de novembro, eu só fui chamada a meio de novembro. Para mim tem sido muito bom trabalhar com os atores do meu núcleo. É importante que, antes de começarmos a gravar, enquanto estamos na sala de atores, exista uma harmonia. E isso é ótimo, porque depois na gravação isso nota-se, damos todos muito mais. E eu quero muito mais, por isso, tento que a Berta acompanhe todo o drama daquela família. Quero que a Berta seja mais do que uma simples criada, quero que ela seja uma amiga, uma pessoa de bom coração, não quero que ela seja invejosa.


Tens feito menos teatro...

Sim... Houve uma altura que fiz muito teatro. Eu integrei um grupo que era a Cave Direita e nós não parávamos. Éramos quatro pessoas. Escrevíamos e trabalhávamos nos bares e fazíamos várias personagens... Eram muitas peças diferentes e isso ocupou-me muito tempo. Depois também privilegiámos a improvisação e foi muito bom. Gosto de ter interação com o público. Mas em Portugal temos um problema que é o facto de integrarmos projetos que depois acabam por não ir para a frente e isso aconteceu-me, por isso é que tenho feito menos.


Gostavas de fazer mais teatro?

Neste momento estou mais virada para cinema, curtas, documentários, televisão... O teatro é um processo que esgota, o ator tem de dar muito. Apesar de adorar teatro, tenho de acreditar muito numa peça. Talvez por já estar nos 40, sinto que tenho menos vontade de me aventurar. Acho que é isso somado ao facto de estar mais interessada em linguagens novas que vão surgindo como as curtas, por exemplo.


Que é ao que te tens dedicado mais.

Sim, mesmo quando são propostas de universitários, por exemplo. Porque me obrigam a adaptar-me a novos métodos, a trabalhar com gente que está a começar... Nos últimos anos têm surgido mais e eu tenho gostado muito. É interessante e mesmo que o retorno financeiro seja pouco, há outro retorno que pode não se quantificar, mas que conta. É quando, depois de teres feito uma curta, se lembram de ti para um documentário que vão fazer. Ou quando gostaram da tua voz numa narração e te propõe depois fazer locuções. Foi o que aconteceu, por exemplo o ano passado.


Como assim?

Eu fiz um documentário sobe uma escritora do século XIX e entretanto as pessoas envolvidas no projeto propuseram-me fazer uma locução. Um trabalho acaba por levar a outro. Além de um retorno bonito que foi o desafio em si. Fiz o papel de uma mulher de outro século, o papel de uma mulher forte. Foi muito desafiante.


E, portanto, as curtas-metragens são uma linguagem que te interessa e que te imaginas a continuar a explorar.

Sim. Vou agora fazer mais três. São filmes quase institucionais sobre racismo, xenofobia, homossexualidade... Vai ser muito interessante. Claro que quando são projetos de universitários é mais difícil que haja retorno financeiro, mas já vai existindo. Quando é um trabalho para alguma produtora já sou mais exigente. Mas pronto, a televisão continua a ser o meio em que se consegue uma estabilidade financeira maior, mas também nunca sabemos quanto tempo dura o projeto. Neste caso da Berta, não sei até quando é que gravo. As outras novelas em que já participei foram, em média, uns sete meses. E, por isso, sei que não me posso aventurar muito noutras coisas, porque a responsabilidade de fazer televisão é grande. Existe um compromisso assumido e uma disponibilidade quase total. Eu não posso marcar nada com muita antecedência porque só sei uma semana antes qual é o plano de gravações da semana seguinte... Por isso, quando estou numa novela tento ter cuidado para não estar numa peça de teatro, porque não terei a disponibilidade que isso merecia. Não posso ser má profissional. Houve uma altura em que conciliei muito o teatro com a televisão e isso foi ótimo e muito importante. Fiz publicidade, locução. Dividi-me em várias coisas e isso enriqueceu-me, mas ao mesmo tempo, ocupou-me muito tempo. A dada altura percebi que também tinha de ter vida.


Tens quantos anos de percurso?

Tenho 15 anos. O que eu acho é que, hoje em dia há mais facilidade. Nós só tínhamos o Conservatório que eu não fiz porque não acreditava no método deles. Era só direcionado para o teatro. A televisão para eles era prostituição, o que não deixa de ser irónico porque depois há atores que saem do Conservatório e quando chegam à televisão constroem uma carreira lá.


E como é que, resumidamente, contas o teu percurso?

Eu desde miúda gostei de representar. Sempre fui tímida, mas nas brincadeiras, extravasava. Sou a mais nova de cinco irmãos e na altura em que era miúda, tive necessidade de criar o meu mundo. Fazia de Madonna, fingia que estava a dar aulas, dançava muito... Acabei por ir para o ballet... Depois acabei por ir para jornalismo.


Porquê?

Porque havia câmara! Mas depois fiz um curso de locução e apresentação em que percebi que gostava muito do trabalho com a câmara. Depois é que fui fazer um curso de verão com o António Pedro Vasconcelos e quando acabou fui para a Arte 6 fazer o curso de representação. Foi muito bom. Trabalhei com grandes atores, trabalhei muito as emoções, a gestão da personagem... Foi ótimo. Aprendi muito nessa escola e logo depois comecei a fazer peças com colegas e com alguns professores. Depois acabei por ir entrando no mundo da televisão e fui tendo cuidado. Lembro-me que um dia o Nicolau Breyner me disse para eu ter cuidado com tudo e que, em relação às personagens, que não existiam pequenos papéis. Disse-me "pode parecer que estás a fazer uma coisa pequenina, mas não. Tens de dar o teu melhor" e desde então eu nunca fui uma daquelas que queria ser as principais no elenco. Convenci-me mesmo que há papéis pequenos que podem ser grandes.


Isso fez com que no teu percurso existam muitos papéis de pequena exposição ou dimensão em vários projetos televisivos.

Sim, porque eu também gostava de ter tempo para outras coisas. Teatro, locução. O que sempre foi bom para mim é que, por não ser uma personagem com muitas cenas, eu tinha tempo. Por isso, experimentei muita coisa. E fui sendo feliz assim. Os papéis grandes exigem muito de ti. É entrar no estúdio antes das 8 da manhã e sair quase às 9 da noite. É não ter vida social. É chegar a casa exausto e ter de ir estudar as cenas todas do dia seguinte. É quereres descansar e não poderes. E eu sempre tive receio disso e sempre quis ter tempo para a vida porque eu gosto muito de viver. Tentei sempre que o lado profissional não me limitasse no lado pessoal e social. Tem de estar tudo num equilíbrio. Isso é fundamental.


Qual é que tinha sido o teu último trabalho em televisão?

Foi uma participação numa novela da SIC. Mas o ano passado fiz, sobretudo curtas, e fiz um filme documental. Houve uma altura em que fiz menos televisão porque os castings eram muito fechados, os elencos adicionais foram sendo mais limitados. Acabei por me dedicar mais a outros projetos.

Além da novela e de curtas que já estão em pré-produção, o que é que gostavas que acontecesse num futuro próximo?

Cinema, cinema, cinema, cinema.


E achas que é possível?

É muito difícil, mas eu vou lutar. Não só cinema nacional, mas também cinema internacional. E estou a falar de cinema europeu. Gosto muito de cinema europeu. Neste momento estou a fazer um trabalho que é de investimento. Estou a ir ao encontro de realizadores. Estou a investir em querer saber, em recolher informação, em saber o que se está a passar e como é que eu vou conseguir fazer parte dele.


É um meio muito fechado...

Muito fechado, mas com muito talento. Há muita gente que cá dentro não é reconhecida mas que tem muito reconhecimento lá fora e isso é impressionante. Afinal está a acontecer muita coisa. Eu tenho gostado muito de fazer as curtas e quero continuar a fazer. É um processo mágico. E, por isso, também quero experimentar uma longa.


Depois de tudo isto e já com um percurso de 15 anos, diz-nos lá: quem é a Catarina Leiria?

(risos) Isso é tramado!


Tu gostas de coisas tramadas...

(risos) Quem é que eu sou... Sou uma pessoa que gosta de desafios. Eu vivo intensamente a vida e quero muito ser feliz em tudo o que faço. Quero que o que eu faço me preencha... A Catarina Leiria é uma miúda super porreira, feliz da vida por estar viva, que dá imenso valor e quer aproveitar ao máximo o tesouro que é a vida. Sou aventureira e prezo muito o amor e a dedicação. Em tudo. O amor e a dedicação numa relação amorosa, em relação aos amigos, em relação ao trabalho, em relação à família. Acho que é isso... Afinal isto é mais fácil do que eu pensava.



Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico


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