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«Vou estar sempre ligado ao teatro»

JOÃO ASCENSO. Estudou relações internacionais, trabalhou em marketing e só aos 27 anos é que se tornou ator. Hoje em dia tem a certeza que o palco é onde se sente em casa, quer seja como ator, como encenador ou como autor. Apresentamos-vos João Ascenso, "um tipo porreiro".




Integras o elenco de Daqui Ninguém Entra, uma peça de teatro que está quase a começar uma digressão pelo país.

Sim, vamos começar pelo Algarve, depois passamos pelo Fundão e estamos ainda a ver por que outros sítios vamos passar.


Antes dessas datas, o espetáculo esteve em cena na Comuna. Como é que correu?

Correu tudo muito bem. Ao nível do público, foi excelente. A crítica também gostou muito do espetáculo e para mim foi ótimo porque já não trabalhava como ator em teatro há muito tempo. Pelo que tem sido uma experiência fantástica. Além de que partilho o palco com a Inês Veiga de Macedo, que eu adoro.


A Inês é a tua parceira de cena, num espetáculo que foi encenado pela Luciana Ribeiro...

Já trabalho com a Luciana há muitos anos mas, quer ela quer eu, sempre como atores. Nos musicais infantis da Plano 6, por exemplo, fazíamos quase sempre um par. Até que esta foi a primeira encenação da Luciana e foi ótimo. Ela faz um trabalho que eu acho que é o que o encenador deve fazer, que é o de conversar, de debater o que se está a trabalhar e não deixar nada por falar. Nós debatemos todos os assuntos até ao fim. Houve alturas em que ficávamos presos numa expressão ou numa palavra e falávamos sobre isso. Foi um processo de ensaios atípico, porque começámos a ensaiar na casa da Luciana ou na casa da Inês, e ficávamos horas a falar sobre o texto... Ou seja, quando estreámos, sabíamos muito bem que estávamos a apresentar. Sabíamos muito bem que queríamos transmitir. Estávamos muito seguros do que estávamos a dizer.


E que personagem é a tua?

Eu represento o mundo exterior que tenta invadir o mundo da personagem da Inês. Nem sempre represento o mesmo estado de espírito. Posso ser visto até como mais que uma personagem a entrar naquele espaço, mas sempre numa representação de tudo o que é exterior. Sou a pessoa que vem provocar. É um personagem que pode já ter passado pelo mesmo que a personagem da Inês e por isso ele sabe o que há lá fora.


Este trabalho marca o teu regresso ao teatro como ator. Um regresso que se faz com um grande texto.

Um texto magnífico. Eu adoro os poemas do Vasco Gato e este é o primeiro texto teatral dele e é um texto que está cheio de poesia. É um texto complexo mas, ao mesmo tempo, simples. Porque é direto e cortante, às vezes. E no trabalho que eu, a Luciana e a Inês fizemos, tivemos muito cuidado para nunca desvirtuar nada do que ele tinha escrito.


Tiveram sempre um grande sentido de responsabilidade.

Sim, porque a base de trabalho é tão boa, que falhar em cena seria difícil. Por isso, tínhamos de conhecer muito bem o texto para o respeitarmos totalmente e assim não existir margem para falhas.


Vamos concentrar-nos mais um bocadinho em ti apenas como ator, para recuarmos ao teu último trabalho antes da peça Daqui Ninguém Entra. Foi uma personagem num musical infantil da Plano 6, que foi a História do outro mundo. É um trabalho que tens vindo a desenvolver há muitos anos.

Eu trabalho com a Plano 6 desde 2003, sem parar. Como ator, parei duas vezes, mas fazia sempre parte dos projetos ou como autor com a Ana Rangel, ou como encenador. São 13 anos seguidos e é um trabalho muito duro fazer aqueles musicais infantis. Porque cantamos ao vivo, porque é de manhã, porque é para plateias de centenas de crianças e ao fim de 13 anos já estava cansado e achei que devia parar. Sempre fui fazendo outros trabalhos enquanto ator, mas cada vez fazia menos. E ao fim de 13 anos acabamos por correr o risco de descansar porque já sabemos o que esperam de nós. E eu não queria isso. Como ator, acho que o pior que pode acontecer é sentirmo-nos confortáveis. E eu já me começava a sentir um bocadinho confortável. Então decidi parar. Não é definitivo, é só uma licença sem vencimento.


E onde é que esperas que isso te leve?

Não sei... É um bocado inconsequente. É como eu vim parar ao teatro: aconteceu.



Como é que aconteceu?

Fui para o teatro com 27 anos. Eu demoro muito tempo a ser impulsivo, mas quando sou, não há volta a dar. E a decisão de me tornar ator foi tomada com a certeza de que era aquilo que queria. Jamais voltaria ao local onde estava a trabalhar antes de ser ator. E na altura o teatro apareceu por acaso mas quando eu decidi que era isto que eu queria fazer, sabia que era para sempre. E vai ser. Eu vou estar sempre ligado ao teatro. Ou como autor, ou como encenador, ou como ator. Vou estar sempre ligado a este meio, porque é onde me sinto em casa.


Acabaste de fazer referência ao facto de também seres autor e encenador. Recentemente encenaste um espetáculo que está em cena no Hospital Júlio de Matos e que é um projeto vencedor. Como tem sido toda a experiência?

Tem sido ótimo. Foi um processo moroso. Era um texto denso do Paulo M. Ferreira, uma ótima base de trabalho, com um grande elenco e sem muitos meios. Fizemos uma campanha de crowdfunding, conseguimos dinheiro para fazer a pré-produção do espetáculo, mas com grande envolvimento de todos. E, neste momento, o espetáculo está em cena e está a ter um retorno fabuloso. Nós íamos fazer só sextas e sábados de janeiro e fevereiro, mas já estamos a fazer também quartas e quintas e há a possibilidade de seguir para março, o que é ótimo. E tudo o que nós queremos nos projetos em que estamos envolvidos é que os projetos sejam um sucesso.


Já tiveste outras experiências como encenador e também como autor. Qual foi o último texto teu levado à cena?

Foi o Um Ano Sem Ti onde, além de autor, também fui encenador. E foi uma muito boa experiência, foi muito giro. Eu quando reli o texto com os atores nas primeiras leituras mudei um bocadinho a maneira de ver aquelas personagens. Quando escrevi aquilo tinha na minha cabeça que o causador do sofrimento daquela gente toda era uma personagem e quando estávamos a fazer as primeiras leituras, achei que era o contrário. Achei que o causador era, na realidade, a vítima da situação. E esse distanciamento é giro e eu gosto muito de falar com os atores e tudo o que me vão dando ajuda no processo de encenação. Aconteceu com todos os textos meus que encenei. A escrita é um processo tão solitário que quando se ouve o ator a ler pela primeira vez o texto que escrevemos, a sensação é ótima, porque naquele momento deixamos de ser o dono do que escrevemos. Ficamos encantados e eu adoro isso. Adoro ser surpreendido. É muito gratificante, é ótimo!


Se só pudesses ser autor, encenador ou ator, o que serias?

Não sei.


Não te imaginas a deixar de ser qualquer um deles?

Não sei. Eu tenho tido muito prazer em fazer as três coisas. Eu acho que deixaria de ser encenador, mas isto é hoje, amanhã talvez seja uma coisa diferente. Se estou muito tempo a trabalhar como ator, fico cansado e começa a apetecer-me ver os outros em cena e dirigi-los. Escrever também me dá muito prazer, se calhar é o que me dá mais prazer... Não faço ideia! (risos)


Quem é o João Ascenso?

Quem é? Sei lá. Acho que é um tipo porreiro... Tento descomplicar as coisas e às vezes, já não sei quem é que disse isto, mas às vezes "vence quem está calado". E, em situação de conflito, isso é bom. É melhor ouvir e perceber o que vai acontecer e só depois intervir. Eu tento nunca ser conflituoso na vida. O conflito não me agrada e não leva a lado nenhum. Mesmo entre amigos, sempre fui conciliador. A vida são dois dias e não vale a pena, enquanto cá andamos, estarmos a sofrer por coisa nenhuma. Por isso, acho que sou essa pessoa.




Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

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